O Novo Cangaço e o cidadão armado.
Algumas elucubrações sobre o tema.
Na noite de 30 de novembro de 2020, uma quadrilha composta por cerca de 30 bandidos tomou de assalto a cidade de Criciúma, no Sul de Santa Catarina, para a realização de um ousado assalto à agência do Banco do Brasil na cidade.
A operação, inédita neste estado, chocou os catarinenses e despertou da letargia a mídia amestrada de todo país. Não vamos aqui perder tempo reproduzindo as besteiras ditas pelos partidos da extrema esquerda e reproduzidas com destaque na imprensa, que tentaram vincular o assalto as políticas pró-armas do presidente Bolsonaro. Mas gostaríamos de chamar atenção para o fato de que, pela primeira vez, o fenômeno foi noticiado com a devida importância na mídia amestrada. Também é de se destacar a postura de alguns jornalistas esquerdistas que, em sua confusão moral, teceram rasgados elogios aos bandidos, como foi o caso de dois jornalistas da Rádio Gaúcha de Porto Alegre (Grupo RBS/GLOBO). Diferentemente do que soe acontecer com jornalistas de direita, nenhum dos dois foi demitido.
De forma alguma este banditismo, designado como Novo Cangaço, é uma novidade no país. Com certeza, há mais de dez anos, centenas de ações similares a esta (talvez milhares) vem ocorrendo no Nordeste Brasileiro e dezenas já foram realizadas também no Estado de São Paulo – bem no coração do “Sul Maravilha”. Para quem acompanha minimamente as questões de segurança pública, não houve nada de novo em Criciúma.
Não deixa de ser curioso vermos os jornalistas qualificarem os bandidos de Criciúma como “extremamente profissionais”. É bom lembrar que os assaltantes, no dia seguinte à operação, postaram nas redes sociais filmes onde aparecem mascarados “nadando” no dinheiro roubado e ridicularizando as autoridades. Isto é profissionalismo? Todos sabem que máscaras podem dificultar o trabalho da polícia, mas não impedem que pessoas que os conhecem os identifiquem de imediato.
Este fato nos leva a refletir sobre as conexões do bando. Bandidos que roubam uma grande quantidade de dinheiro, costumam ser perseguidos e roubados por outros bandidos. Lembram-se do assalto ao Banco Central do Brasil em Fortaleza? (agosto de 2005). Muitos dos participantes foram assassinados por outros bandidos antes mesmo de serem identificados pela polícia. O fato dos assaltantes de Criciúma se exporem desta forma, revela que eles têm a cobertura de uma importante organização criminosa que os protege de ladrões oportunistas.
Uma operação dessas, típicas do Novo Cangaço, envolvendo um grande número de participantes, levantamento de campo, ensaios, grandes deslocamentos, muita comunicação, inúmeros veículos roubados, estabelecimento de bases de apoio, aquisição de armas de uso proibido e de explosivos, evidentemente deixa muitos rastros e testemunhas em sua preparação. Portanto, é óbvio que a polícia, em tese, pode esclarecer o crime em pouco tempo. De fato, no momento em que escrevemos estas linhas, doze “suspeitos” já foram presos, quatro bases de apoio em três estados foram descobertas e parte do dinheiro roubado já foi recuperado. A cooperação estabelecida entre as forças policiais de SC, PR, RS e SP além da PRF, revelou-se extremamente eficaz.
Este fato nos leva a questionar porque o mesmo sucesso não ocorre em investigações nos estados do Nordeste e até mesmo em São Paulo. O que estará atrapalhando o desempenho das polícias dos outros estados? Se o mesmo grau de eficiência ocorresse em outros estados da federação, o novo cangaço já teria tido o mesmo fim que teve o velho cangaço de antanho.
Em ocasiões como esta, muitos cidadãos que possuem armas de fogo questionam-se sobre o que fariam caso fossem postos diante de uma operação criminosa dessa magnitude. É uma tentação embarcar numa ação heróica e impedir um crime de grande repercussão. Nosso conselho, fruto de muitos anos de vivência, é o de não fazer nada! Lembrem-se sempre que estamos no Brasil, onde a racionalidade e a justiça desaparecem sempre que o assunto envolve uma arma de fogo (principalmente e notoriamente nos tribunais).
Mas, apenas para fins lúdicos, façamos algumas elucubrações mentais de como seria a intervenção de um cidadão armado num assalto como o de Criciúma.
Em primeiro lugar, não seria com uma simples arma de mão que alguém poderia influenciar o desfecho de uma operação dessas. Mas vamos supor que nosso cidadão com vocação de herói seja um caçador ou atirador, devidamente legalizado, e possua um fuzil de longo alcance e uma luneta (mira telescópica) com ampliação adequada. Este equipamento permitiria um afastamento para uma intervenção segura.
A segunda exigência seria uma posição taticamente superior a dos bandidos, que permitisse nosso herói ver sem ser visto e atirar sem ser localizado. Para a realização desse ocultamento, seria necessário um acessório proibidíssimo no Brasil, que é o supressor de estampido (popularmente conhecido como silenciador). Muito embora em muitos lugares do mundo, como na Europa e na África, o uso do supressor seja item obrigatório em caçadas, não vemos a menor possibilidade de sua legalização no Brasil.
Mas, como estamos no campo das suposições, vamos também supor que nosso herói dispusesse desse acessório ilegal em sua arma. Agora temos um cenário perfeitamente adequado a uma intervenção bem-sucedida. De sua posição oculta, ele poderia efetuar disparos sobre os bandidos sem ser localizado. O ruído reduzido do estampido dará a impressão que o disparo parte de bem mais longe. Além disso, há o estrondo supersônico do projétil, que por se deslocar de forma perpendicular à sua trajetória, torna muito difícil identificar a posição do atirador.
Satisfeitas essas condições, vamos então supor que nosso herói efetue dois disparos. O primeiro mata instantaneamente um dos bandidos e o segundo disparo fere gravemente outro.
Neste momento o pavor tomou conta dos assaltantes. Dois caminhos poderão ser seguidos pela quadrilha. Vamos chamar o primeiro caminho de Caminho Bom e o segundo de Caminho Mau.
No Caminho Bom, diante de um inimigo invisível e mortal, a quadrilha decide abandonar a empreitada e foge levando o companheiro ferido e abandonando no locar o assaltante morto.
A intervenção foi um sucesso e com a identificação do cadáver a polícia tem um bom ponto de partida para a elucidação do crime. No dia seguinte o assaltante ferido seria deixado num hospital e a partir daí as investigações seriam ainda mais facilitadas.
Quais seriam as conseqüências para nosso herói caso o Caminho Bom seja seguido pela quadrilha? Mais uma vez lembramos que estamos no Brasil e não há a menor hipótese dele ser tratado como herói. De imediato ele seria detido pela polícia e sua arma apreendida. Como ele empregou um acessório proibido e desvirtuou o uso de sua arma atirando contra seres humanos, seu Certificado de Registro no Exército seria suspenso. Caso o comandante da Região Militar seja muito generoso, ser-lhe-á dado um ano para se desfazer de todas as armas de seu acervo e, ao final deste prazo, seu registro será cancelado. É simplesmente o fim de seu hobby.
Por parte da justiça, o promotor público o acusará de homicídio doloso qualificado, visto que nosso herói se preparou cuidadosamente e intencionalmente para matar um ou mais seres humanos. Nosso herói terá que gastar uma fortuna com advogados, que terão muita dificuldade de justificar sua ação, visto que não decorreu em legítima defesa de sua vida, de seus familiares ou de sua propriedade. Como todos sabem, em nosso curioso país, dinheiro no banco ou dinheiro público não pertencem a ninguém.
Não creio que nosso herói chegasse a cumprir pena na cadeia. Mesmo que o juiz de primeira instância o condene, a probabilidade maior é que o tribunal de segunda instância (normalmente mais racional), comute a pena por algum “serviço social”.
Em paralelo ao processo criminal, a imprensa o retrataria como um assassino frio, calculista e desalmado, que tem por hobby matar porquinhos no mato (javali logo vira “porquinho inocente”). Seu nome e sua foto seriam publicados nos jornais e uma represália dos bandidos contra si ou sua família seria algo bem plausível. Nosso herói teria que considerar seriamente uma mudança para outro estado.
Os intrépidos jornalistas também descobririam que nosso herói realiza recarga de munições em seu apartamento, colocando em risco a vida de seus vizinhos e até mesmo a estrutura do prédio em função dos 2 kg de pólvora que ele tem estocado em casa. Diante disso, os vizinhos chamariam o síndico e o condomínio entraria na justiça com uma ordem de despejo contra o herói. Um segundo advogado, a ser contratado por ele, teria a tarefa inglória de convencer um juiz leigo no assunto que explosivo e propelente são coisas diferentes, ou seja: convencer o meritíssimo que “focinho de porco não é tomada”. Independentemente do desfecho desse julgamento, se o imóvel não era próprio, o senhorio vai pedir o imóvel de volta e nosso herói e sua família estariam no olho da rua em pleno processo criminal.
Bem, tudo que vimos acima são as conseqüências para nosso herói caso a quadrilha opte pelo Caminho Bom. Mas e se os bandidos optassem pelo Caminho Mau? Neste caminho, passado os instantes iniciais de espanto, a quadrilha decide executar dois reféns e gritam bem alto para nosso herói ouvir: “Se continuar atirando vamos matar todos os reféns”. Neste ponto a situação tática se inverte e, sendo nosso herói um homem consciente, ele se retira do engajamento. A quadrilha completa o roubo e foge levando o dinheiro, o bandido ferido e o bandido morto.
As conseqüências do Caminho Mau são todas as descritas no Caminho Bom, acrescentadas da responsabilidade pela morte dos dois reféns. É claro que os bandidos não serão responsabilizados pela morte dos reféns, afinal eles avisaram com antecedência o que poderia ocorrer, não é mesmo? Assim sendo, a imprensa atacaria nosso herói com mais virulência, aplicando além dos adjetivos acima mencionados, o de irresponsável e insensível com a vida dos trabalhadores. As manchetes diriam algo assim: “Atirador (ou caçador) irresponsável quis brincar de polícia e acabou causando a morte de dois trabalhadores inocentes”.
Neste caso, dificilmente nosso herói escaparia da cadeia. O tribunal de segunda instância não o livraria da pena de reclusão diante do clamor popular e para dar um exemplo aos demais aspirantes a herói.
Como desgraça pouca é bobagem, nosso herói seria demitido da firma em que trabalha dado que a posição oficial da empresa é “não compactuar com a violência”. Com isso, ele teria dificuldades para pagar os honorários dos advogados e como ficou pobre, sua mulher o abandonará. Também, diante do escândalo formado, seus filhos seriam forçados a trocar de colégio e tratariam de remover seu sobrenome para evitar qualquer vinculação ao pai assassino. No futuro, já adultos, eles dirão ao pai que foi aquela atitude irresponsável tomada no passado a razão deles serem uns fracassados.
Bem, esse é um quadro bem realista embora pintado sobre uma situação hipotética. Tudo relatado acima já vimos ocorrer em situações diversas envolvendo armas de fogo. Creio que ficou bem claro porque recomendamos não fazer nada. São essas mesmas agruras que incidiriam sobre nosso hipotético herói, que fazem os militares exigirem um excludente de licitude para participar de uma operação GLO (Garantida Lei e da Ordem). Não se muda 50 anos de doutrinação esquerdista em pouco tempo.
Resumindo: nossa sociedade não entende e não merece este sacrifício por parte de ninguém.
Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2020
Leonardo Arruda
Associação Brasileira Pela Legítima Defesa
www.pelalegitimadefesa.org.br