Carta ao Ministro da Justiça.

 

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2008

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça Tarso Genro
Ministério da Justiça
Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício sede
70064-900 Brasília - DF

Prezado Senhor:

No dia 28 de agosto passado o telenoticiário do SBT trouxe uma reportagem do jornalista Carlos Nascimento sobre a venda de senhas do INFOSEG.

Nessa reportagem, em digitando vosso nome, apareceu que V. Exa. possui duas armas de fogo em sua propriedade.

A reportagem nos alertou para um problema gravíssimo. Ao registrar suas armas no SINARM - Sistema Nacional de Armas, o cidadão fica automaticamente fichado no INFOSEG, como V. Exa. pode constatar pessoalmente.

A questão da falta de segurança no INFOSEG é séria, mas temos certeza que sua equipe vai sanar essa falha rapidamente. O que nos preocupa sobremaneira é o funcionamento normal do sistema.

Quando o SINARM foi criado, na gestão FHC, o governo alardeou que tratava-se apenas de um novo registro de armas - tal como o antigo registro estadual - não o registro dos cidadãos. Não é isso que aconteceu com a integração do SINARM no INFOSEG. Os proprietários de armas foram todos rebaixados à categoria de meliantes ou, no mínimo, de incômodos ao Estado.

Como cidadãos proprietários de armas, consideramos que a autorização dada para a aquisição de uma arma de fogo é uma prova cabal de honestidade, dado todas as certidões negativas e até psicológica que temos de apresentar para esta compra. Assim, entendemos que ao sermos fichados no INFOSEG como proprietários de arma estamos sendo rotulados como suspeitos - como cidadãos de segunda classe.

Tal como está constituído, o SINARM é uma agressão do Estado à privacidade do cidadão - como V. Exa. pode constatar na prática. Estão com toda razão os ministros do STF que protestam com a progressiva transformação do país num estado policialesco.

Para que um delegado de Belém, no Pará, precisa saber quantas armas tem o Sr. José da Silva de Porto Alegre no Rio Grande do Sul? Porque esta informação está disponível para ele?

Suponhamos que esse Senhor José da Silva precise tirar um passaporte. Ao fazer uma busca no INFOSEG o funcionário da Polícia Federal vai descobrir que o Sr. José da Silva possui duas armas. Terá ele seu passaporte negado? E se, por um lapso ele não renovou o registro de uma das armas? Terá ele seu passaporte negado? Se isso não vai acontecer porque essa informação está disponível ao funcionário?

Suponhamos, agora, que o Sr. José da Silva é um funcionário público exemplar e, como tal, foi convidado por V. Exa. a ocupar um cargo de confiança em vosso ministério. Ao fazerem a pesquisa rotineira dos antecedentes no INFOSEG descobrem a posse dessas armas. Será ele conduzido ao cargo? E se, por um motivo qualquer, ele deixou de fazer o teste psicotécnico por ocasião da renovação de seu registro de arma? Terá ele sua promoção negada?

Poderíamos citar ad nauseam exemplos similares. A pergunta final será sempre a mesma: Qual a razão para esta informação estar disponível no INFOSEG?

Entendemos que o registro de armas tem, por finalidade precípua, permitir, no âmbito de uma investigação policial, descobrir o proprietário de uma arma encontrada no local do crime ou com um suspeito. Desta forma, o acesso ao SINARM deverá ser sempre via número de série e características físicas da arma.

V. Exa. deve saber que nunca, em nenhum país do mundo, o registro de armas foi utilizado para condenar ou absolver um réu. Não existe um único caso conhecido. Dessa forma, podemos concluir que o registro de armas é uma inutilidade jurídica, sem nenhum efeito prático ou inibidor sobre a criminalidade.

Entretanto, se o Estado Brasileiro é perdulário e deseja gastar recursos materiais, humanos e financeiros na manutenção desse banco de dados inútil, que o faça sem ferir os direitos e a privacidade dos cidadãos.

V. Exa. deve saber que o registro de armas tem apenas duas finalidades: Primeira: inibir a compra de armas pelos cidadãos; Segunda: facilitar um possível confisco pelo Estado. Para inibir a aquisição de armas pelos cidadãos é suficiente manter as exigências atuais para a compra, não é preciso manter esse dispendioso banco de dados. Quanto ao confisco, ele pode ser efetuado por um ditador assim como por um exército invasor, tal como fizeram os nazistas na Europa ocupada e, portanto, não deveria existir.

Mas, admitindo-se que o governo acha imprescindível manter estes registros, propomos as seguintes alterações para o SINARM:

1 - Sua desvinculação imediata do INFOSEG;
2 - O acesso ao SINARM só poderá ser feito através do número de série e demais características da arma;
3 - O acesso ao SINARM através de nomes, só poderá ser feito em setor específico do Ministério da Justiça e mediante solicitação judicial, quando houver sérias evidências que um determinado cidadão é suspeito de um crime perpetrado com uso de arma de fogo.

Essas medidas são simples e estão dentro de vossa competência. Mas não basta apenas implementá-las. É importante também que um projeto de lei com essas disposições seja enviado ao Congresso. Somente uma lei poderá impedir que seu sucessor não retorne à prática atual.

Veja Ministro, a campanha para o registro de armas está fadada ao fracasso. Não que os cidadãos não queiram ficar dentro da lei. O problema é que não se pode confiar no governo. Triste país onde os cidadãos não podem confiar em seus representantes, mas essa é a nossa realidade. Que credibilidade tem um governo onde, a cada semana, um novo projeto de lei anti-armas é apresentado no Congresso? Onde a cada semana alguma autoridade estadual ou federal da uma declaração demonizando os proprietários de armas? V. Exa. mesmo declarou que somos nós os responsáveis pelas "balas perdidas" que infestam a Nação.

Hoje, no Brasil, é muito mais conveniente possuir uma arma ilegal que uma legal. Uma arma legal é difícil e cara de se adquirir; é complicada e burocrática para se manter e, finalmente, é praticamente impossível vendê-la. Uma arma ilegal não possui nenhuma dessas limitações e, se em algum momento ela tiver de ser usada em defesa própria, o cidadão sempre pode alegar que tirou a arma do agressor num momento de distração deste ou após uma breve luta. Quem poderá provar ao contrário? Curiosamente vemos notícias desse tipo amiúde nos jornais.

Nossa Associação congrega proprietários e comerciantes de armas. Para os comerciantes essa situação é péssima. Para nós o ideal é termos um mercado legal forte. Infelizmente, hoje em dia, só adquire uma arma no mercado credenciado aquele cidadão que por motivos profissionais precisa de uma arma legal. É o policial, é o membro do poder judiciário e outros cidadãos da "casta superior" que têm direito a um porte de arma funcional. Podemos afirmar que todos os demais cidadãos estão se abastecendo no mercado negro. Basta V. Exa. ver o número de lojas de armas que fecharam as portas ou mudaram de atividade nos últimos anos.

Tanto V. Exa quanto presidente Lula possuem armas fogo pessoais. V. Exa pode se livrar da pecha de hipócrita que lhe foi lançada e, como diz o ditado popular, "transformar o limão numa limonada". Adotando essas medidas que sugerimos V. Exa passará a ser o defensor dos direitos individuais e mostrará a todos os seus críticos que se preocupa com a privacidade dos cidadãos, esteja ela sendo violada ilegalmente através de "grampos" espúrios ou legalmente pelo INFOSEG.

A vosso dispor para qualquer esclarecimento, despeço-me

Mui respeitosamente,

Antonio do Couto Alves
Presidente

Ver resposta dada pelo Coordenador da Rede INFOSEG.

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