PL 144: Carta ao Diretor da DFPC

 

Esta carta foi divulgada a todos os associados da ABCA que
estão com seu endereço eletrônico atualizado em 15/nov/2007

Rio de Janeiro, 06 de novembro de 2007.

Ao Exmo Senhor Diretor de Produtos Controlados
Gen. Rosalvo Leitão de Almeida

Ref. 112/07

Assunto: Projeto de Lei 144/07

Prezado Senhor:

Tomei conhecimento do projeto de lei (PL) número 144/2007 do deputado Neucimar Fraga que tem por objetivo inutilizar o mecanismo de disparo de todas as armas de coleção registradas.

Este PL já foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado e agora caminha para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Soube que há um movimento para que este PL seja aprovado sem ir a votação em plenário, numa manobra tipicamente oportunista e ditatorial.

Esse projeto de lei é um desdobramento do Relatório Jungmann, da CPI do Tráfico de Armas, onde inúmeras infâmias foram assacadas contra o Exército e contra os Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CAC), particularmente contra os Colecionadores.

Retirar o mecanismo de disparo das armas de coleção significa destruir a coleção. O mecanismo de disparo, em muitas armas, é (são) a (s) peça (s) que distingue (m) um modelo de outro. Por exemplo, é o cão que diferencia uma arma de pederneira de uma de percussão. Na primeira, o cão segura uma pedra de sílex e, na segunda, o cão tem uma concavidade para detonar uma espoleta. Se tirarmos o cão das duas espécies, sendo que a de pederneira usada nos séculos XVII ao XIX e a de percussão no século XIX, ficam iguais.

Passando para armas mais modernas, vemos que a distinção entre uma arma semi-automática de uma automática é a presença do desconector – um detalhe no mecanismo de disparo. Sem o mecanismo de disparo as armas serão apenas um tubo de ferro montado num suporte.

O PL não faz qualquer exceção para as armas obsoletas nem para as de valor histórico.

Outro detalhe importante é que uma arma desativada deixa de ser arma e não precisará mais do registro, bastando apenas um certificado de desativação da Polícia Federal. Porque imaginar que os brasileiros manteriam seu CR e pagariam taxas para registrar armas desativadas?

Além disso, ainda há que se encontrar um meio de indenizar os Colecionadores. Afinal, sua arma foi transformada em ferro-velho sem valor, o que é inconstitucional – confisco de valor.

As justificativas que encontram para esta mutilação são duas: Primeiro evitar que bandidos as roubem e possam usá-las; argumento infantil, pois bandidos não se interessam por arma que não seja moderna e que não disponha de munição. É o mesmo que, para evitar os relativamente freqüentes furtos em museus, os quadros teriam que perder um pedaço. Ad nauseum, teriam que proibir as pedras, madeiras, cordas, venenos, seringas, etc., etc., pois tudo pode ser usado em crimes, inclusive as canetas dos governantes, não esquecendo os automóveis pelo alto índice de mortalidade que ocasiona e freqüência de seu emprego no crime.

A segunda justificativa, que motiva o presente PL, é que os colecionadores fornecem suas armas a marginais.

V. Sa. bem sabe que é absurda a afirmação de que as armas dos colecionadores vão parar nas mãos de criminosos. Em meus 55 anos como colecionador só vi isso acontecer uma única vez, e aqui no Rio de janeiro. Foi o rumoroso caso do assassinato do gangster Mariel Mariscot de Matos, feito por um policial que pediu emprestada a arma de um colecionador registrado no SFPC/1 (início da década de 1980).

De lá para cá assisti inúmeras declarações de autoridades policiais acusando este ou aquele colecionador de fornecer armas para o crime; entretanto, estas denúncias nunca ficaram comprovadas. Mesmo que alguma ficasse comprovada, a acusação teria que se limitar a esta pessoa, sendo inconstitucional no direito democrático a acusação e também a punição coletiva.

Isto não faz sentido. Como pode um colecionador que é vistoriado periodicamente pelo Exército vender armas de sua coleção? Será que ele combinaria com os criminosos a devolução por ocasião da vistoria? Convenhamos, é pouco provável. Além disso, uma pessoa que busca o CR tem um passado ilibado, do contrário não poderia ser colecionador. Qual o retorno financeiro do aluguel de armas para bandidos? Será que justifica o risco envolvido em se relacionar com criminosos e de ir para a cadeia?

O Relatório Jungmann apresentou o colecionador Paulo Roberto Monteiro, de Piracaia (SP) como traficante e fornecedor de armas para bandidos. Ele já foi sócio da ABCA e eu o conheço pessoalmente. O Paulo Roberto é um ex-engenheiro de Furnas que virou empresário do setor têxtil. Em agosto de 2005, alegando uma denúncia anônima (coisa típica de ditaduras), a Polícia Civil de São Paulo (policiais da cidade de São Paulo) invadiu sua residência e apreendeu sua coleção de armas, bem como aproveitaram para levarem todos os bens de valor que ele possuía, tais como coleção de moedas, pratarias, coleção de espadas e até mesmo seu canivete suíço, sob a acusação de que ele fornecia armas a bandidos. Em função dessa acusação estapafúrdia, feita por um vizinho, ele foi preso por 20 dias e, logo em seguida, convidado a depor na CPI do Tráfico de Armas, onde lhe fizeram as perguntas mais absurdas que é possível imaginar. Nesse depoimento perguntaram-lhe porque ele possuía grande número de armas sem registro. Ele respondeu que essas armas eram obsoletas, sem eficácia, e que não precisam de registro pela legislação atual. Para realçar este fato, disse que os fiscais do Exército, nas vistorias, não se “interessavam pelas outras 400 armas que mantinha pela casa, e mesmo no cofre que estava aberto”.

O deputado Moroni Torgan entendeu isso como uma indesculpável deficiência na fiscalização, e o Viva Rio aproveitou a frase para alegar incompetência do Exército para fiscalizar Colecionadores, Atiradores e Caçadores.

São dois pesos e duas medidas, não é mesmo? Quando o governo federal fez a campanha de recolhimento de armas da população, a Polícia Federal recusou-se a pagar os R$200,00, previstos na tabela para as armas longas, para as espingardas pica-pau, bacamartes e outras de antecarga. Alegaram que essas armas não eram eficazes. No entanto, essas mesmas armas nas mãos do Paulo Roberto são consideradas extremamente perigosas.

Temos que ter em mente que os colecionadores são poucos em todo o país e fiscalizados pelo Exército. Essas medidas simplesmente vão acabar com esses poucos que ainda existem – viraram bode expiatório para leis inócuas que não afetarão a criminalidade. Estamos certos de que haverá um retorno maciço à clandestinidade, tal como era no tempo da Portaria 68GB. A situação começou a melhorar com as portarias nº 1261 de 17 de outubro de 1980 e nº 341 de 02 de abril de 1981. A clandestinidade praticamente só terminou com a portaria nº 312 de 08 de abril de 1989.

A transformação deste PL em Lei representará a vitória do obscurantismo. Lembra-me muito o episódio do Talibã dinamitando as estátuas de Buda no Afeganistão, para apagar o fato que o país foi budista antes de ser adotado o islamismo.

É tão difícil criar uma mentalidade de preservação, e quando estamos conseguindo, vem um novo golpe para regredir. É a vocação para o atraso e a mentalidade da destruição. No Brasil quase nada é preservado, conseqüentemente os museus são pobres do que mostrar. No que diz respeito às armas, a destruição foi ainda maior e, o pouco que resta, é porque ficou clandestino.

É preciso observar que as arma militares modernas que podemos colecionar, apesar de ainda não serem consideradas obsoletas, já estão fora do serviço ativo e se não forem preservadas, no futuro não haverá exemplares dos séculos XX e XXI.

A quem interessa o fim dos colecionadores? Aos governos e empresas estrangeiras que financiam traidores da pátria e, portanto, criminosos, entre os quais se situam inúmeras ONGs, notadamente o Viva Rio. ONG que é subvencionada por governo não pode ser chamada de não governamental, e sim de órgão de governo; e ONG que faz prestação de serviço mediante convênio remunerado deveria ser tratada como empresa.

O Colecionador e o Exército Brasileiro

O ato de colecionar, qualquer objeto que seja, é próprio do ser humano, tanto de coisas que existem na natureza quanto de coisas que eventualmente tenha feito em alguma época. Entre estes últimos, evidentemente com muita razão, estão as armas. Com muita razão porque as armas garantiram a sua sobrevivência no reino predador dos animais, bem como sua própria subsistência também como animal predador. Além disso, as armas marcam os períodos históricos como idade da pedra lascada (paleolítico), polida (neolítico), do cobre (calcolítico), do bronze, do ferro, onde estamos até hoje. Mesmo que os homens não tivessem a noção de história e, muito menos dessas divisões, essas armas eram guardadas como enfeites nas residências ou como troféus do inimigo vencido. Desta maneira começaram as coleções de armas (hoplotecas). Portanto, o ato de colecionar armas é anterior e sempre existirá, independentemente de qualquer governo, legislação e muito menos fiscalização e sempre ligado à arte militar e/ou cinegética.

No Brasil, os governantes sempre (desde a época colonial) proibiram a plebe de possuir armas, enquanto, por outro lado, existiam disposições legais que obrigavam os senhores de terras e os nobres (que muitas vezes se confundiam na mesma pessoa) a possuírem armas, inclusive canhões, para imporem a sua vontade aos escravos e plebeus, índios e negros e defesa contra outros estrangeiros. Como a população era relativamente pequena, conseqüentemente a quantidade de armas era também pequena e isto perdurou até o Império.

Cabe aqui esclarecer que quando mencionamos arma, estamos referindo ao objeto produzido com este fim e obedecendo padrões técnicos e estéticos da época; entretanto, a plebe (o povo) sempre se armou com produção caseira e qualquer objeto pode servir como arma.

É a partir do Império que as pequenas milícias e terços do Exército (precursores dos regimentos) começam a se transformar em Força Armada com o crescimento da população; a obrigatoriedade dos senhores terem armas termina, passando a ser do livre arbítrio. Mas nenhuma arma de qualquer espécie, inclusive as de fogo, eram registradas; entretanto, as armas militares, quando retiradas de serviço, passaram a ser destruídas, motivos pelo qual (baixa população e destruição) são raríssimas as armas do período colonial ainda existentes e difíceis de encontrar as do período imperial.

No início da república, as pessoas compravam armas para caça e defesa da propriedade e auto-defesa, mas não havia registro. Somente após a Revolução Paulista de 1932 foi que o governo Federal impôs o registro das armas de fogo.

Podemos verificar que o interesse maior dos colecionadores é pelas as armas militares e respectiva história; desta forma, os colecionadores constituem os aliados naturais e únicos, (não considerando os fabricantes) no meio civil, das F.As., sempre dispostos a colaborarem com o Exército, como já ficou demonstrado em inúmeras ocasiões. Toda aliança é de mão dupla, carecendo de mais apoio do EB tanto na área legislativa quanto na policial.

Desta forma, esperamos que esta DFPC se faça presente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania mostrando, do alto de sua autoridade constitucional de regulação e fiscalização, aos deputados que:

A) Os Colecionadores e suas armas são registrados no EB que tem completo controle sobre os mesmos;
B) O fato de criminosos se declararem colecionadores não significa que de fato o sejam;
C) Que por motivos de incompetência, ciúme e/ou inveja alguns policiais gostam de atribuir crimes inexistentes aos colecionadores;
D) Que não se conhece caso de colecionador que tenha suprido criminosos com armas de sua coleção;
E) Que a imprensa faz sensacionalismo com as declarações de policiais e nunca publica posteriores desmentidos;
F) Que os colecionadores são fiscalizados por autoridades militares com freqüência de, no mínimo, a cada três anos quando devem comprovar a posse das armas registradas e sua manutenção nas condições originais;
G) Que os colecionadores buscam preservar, às suas expensas, material de valor histórico para a posteridade e que, num país ignorante e com tão poucos museus, cumprem função fundamental para a preservação deste material;
H) Que a campanha movida pelo Dep. Jungmann, Viva Rio e outros contra os colecionadores é por motivo de vingança e deve-se a atuação destes na campanha do Referendo de 2005, onde participaram ativamente e conquistaram os corações e mentes dos brasileiros;
I) Que se o PL for aprovado será o fim das coleções legais no país com a ida de todos os colecionadores à clandestinidade como era até passado recente;
J) Que a lei será contraproducente para o controle do Estado sobre o armamento de uso restrito no país que está a cargo do EB;
K) Que a campanha de desarmamento que ocorreu e ainda ocorre no país, tem sido contraproducente para o controle das armas, dado que o número de registros nos SFPCs atingiu o menor nível dos últimos 20 anos;
L) Que o dito acima pode ser comprovado pela queda no valor de mercado das armas legalmente registradas e o aumento do valor das armas no mercado paralelo, revertendo uma tendência histórica que vinha desde 1980.
M) Que os Colecionadores não aceitarão a mutilação de seu patrimônio sem uma indenização adequada – a mutilação sem indenização seria inconstitucional;
N) Que o EB não tem verba nem expertise para proceder a esta indenização em massa;
O) Que os colecionadores não renovarão o registro de armas que deixaram de ser armas (desativadas);
P) Que o destino final das armas desativadas será o ferro-velho ou a canibalização para reparo de armas não desativadas, com prejuízo para o controle e para a preservação do patrimônio histórico nacional;
Q) Que a medida é prejudicial ao controle de armas pelo Estado e inócua em seu objetivo de coibir o tráfico de armas.

Estou certo que essas afirmativas óbvias na voz de V. Sa. terão profunda repercussão entre os componentes da CCJ, que são leigos no assunto e, em sua maioria, nem serviço militar prestaram.

Informamos que estamos cumprindo nossa parte, procurando os deputados para subsidiá-los com argumentos contrários ao PL e solicitando que eles ouçam a opinião dessa DFPC.

Com cordiais Saudações,

Walter C. Merling Jr.
Presidente da ABCA
Economista, Museólogo especializado em Material Bélico e História Militar
Colaborador Emérito do Exército com Pacificador

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