O Crime na Sociedade Brasileira

 

Este texto foi escrito em 28 de junho de 1992 por Walter C. Merling Jr., historiador,
economista e diretor da ABCA, quando era assessor do Departamento de Material Bélico do Exército, no QG Ex,
Brasília, atendendo à solicitação por uma análise sobre o crime no Brasil, em particular no Rio de Janeiro.

Ref.: Verdadeiras Fortalezas Guardam os Morros do Rio.

Prezado General Valença:

Para o trabalho em referência, de caráter confidencial, para o qual me solicitaste sugestões, tenho a dizer o seguinte:

l. Considerações genéricas

O crime, em si, não acaba e seria utópico pretender que acabasse; acompanha a humanidade em todo o mundo desde os primórdios, há milhares de anos. Logo no início da Bíblia, em Genesis, são relatados os primeiros crimes e porque aconteceram (não estou tratando de religião, e sim que a Bíblia é um profundo e profícuo repositório do comportamento humano). Os primeiros crimes são os de cobiça com o que pertence a outrem e a desobediência às Leis que determinam o respeito aos ooutros. Adão e Eva cobiçaram o fruto que não lhes pertencia e, para obte-lo, desobedeceram a Lei; invejaram o saber de Deus e cobiçaram a maçã, por pressuposto que a comendo teriam o saber. Pouco depois, Caim sente inveja do irmão Abel e o mata; ou seja, Caim também quis se apropriar do que não lhe pertencia, mesmo tendo que matar e não pudesse se apropriar do que desejava por ser imaterial. É necessário lembrar que esses crimes foram punidos imediatamente, ou seja, parecendo redundante, todo crime tem que ser punido de acordo com sua gravidade, na totalidade, sem redução e sem prescrição, não importando a idade do criminoso, sem deixar margem para que haja sentimento de impunidade.

Podemos, então, verificar que todos os crimes são originados na cobiça e inveja em prejuízo de outros e este pensamento, ao ser transformado em ação, se transgride a Lei. A noção de crime difere no espaço e no tempo; não constituía crime um ser humano escravizar outro (era a lei, legal mas ilegítima) até que os interesses e a consciência dos escravizadores e as rebeliões dos escravizados realçaram que ambos são seres humano e que um causava prejuízo a outrem, e isto é a essência do crime (mesmo que alguma legislação legalize). Isto quer dizer que podem existir leis ilegítimas na sociedade garantindo a prática do crime de parte desta sociedade contra outra parte; leis que concedem privilégios a alguns e outros pagam a conta; neste caso, quando o prejudicado se rebela, e transgride a lei (ilegítima), passa a ser considerado como criminoso pelos mais fortes que impuseram tal lei (afinal, quem é o criminoso nestes casos? O que se rebelou ou quem impôs tal lei?).

Por outro lado, no outro extremo, independente dos casos em que o criminoso é produto do meio, tem-se o indivíduo de índole criminosa, que comete crimes apesar de criado e viver em família e sociedade condigna com o ser humano. Este indivíduo pode ter alguma perturbação mental ou ser um cínico e extremado hedonista, cobiçoso e invejoso. Numa sociedade igualitária, sem grandes desníveis, o crime ocorre em pequena escala, geralmente praticado por estes indivíduos.

Em ambos os casos, em que o criminoso é produto do meio ou é apenas inerente ao indivíduo, o crime pode ser de várias formas:

1) Furto, roubo, latrocínio (assassinato para roubar), genocídio (assassinato em massa para tomar os bens de uma coletividade), sequestro, estelionato, apropriação indébita (furto com traição da confiança), contrabando (comércio internacional ilegal), tráfico (comércio ilegal), corrupção (comércio de favores envolvendo patrimônio público e/ou funcionário público), fraude (falsificação de documentos), suborno (comércio de favores em que o funcionário público "fecha" os olhos para um ato ilegal), etc.

2) Estupro, espancamento, cárcere privado, mutilação, assassinato, calúnia, injúria, difamação, lenocínio, etc.

Os crimes mencionados em (l) visam o património, os mencionados em (2) visam a pessoa, embora também possam estar visando o patrimônio (p. ex. assassinato visando possível herança).

Assim, quanto mais desigual a sociedade, mais ela tende a aumentar o nível de criminalidade independentemente das leis vigentes; mesmo que, aparentemente,as leis igualem a todos e não haja expressa desigualdade. O nível de criminalidade é uma relação matemática entre a quantidade de crimes e a população existente em um determinado espaço e período; este nível pode ser comparado entre diferentes períodos no mesmo espaço , bem como em um período em diferentes espaços. Somente com esta comparação é que se pode afirmar se em um espaço piorou ou melhorou o nível de criminalidade e comparar com outros espaços nos mesmos períodos.

2. Considerações sobre o Brasil

O problema da criminalidade no Brasil, é tão antigo quanto o início da colonização europé ia há 460 anos (1532), sendo os mais graves exatamente os institucionais, ou seja os crimes praticados acobertados peias leis (genocídio, escravização e aculturamento forçado dos índios, escravidão negra, privilégios da nobreza, privilégios de grandes comerciantes e de grandes proprietários de terras). Com o advento da República, começou também a equalização das leis, embora ainda perdurem desigualdades legais, como as leis auto-complacentes dos políticos que se erigiram na “nova aristocracia”, além das desigualdades não expressas mas fruto da herança cultural.

Como dissemos no item anterior, um extremo da criminalidade é quando ela é legal, privilegiando alguns, ou, não sendo mais legal, continua tolerada como herança cultural. Como os exemplos partem de cima, em efeito demonstração, os privilégios beneficiando as classes dominantes da sociedade se refletem nas classes subordinadas; com estas passando a querer exercer os mesmos "direitos" e hábitos de consumo, apesar da repressão policial e da Justiça. Quando a disparidade entre o poder exercer e o querer é muito grande, e também a repressão policial não permitindo nenhum exercício de "direitos", a sociedade pode entrar em convulsão, com rebeliões e mesmo conflagração interna. É evidente que o ponto critico das rebeliões pode ser retardado de 3 modos: reduzindo a repressão policial, reduzindo os privilégios legais ou consentidos das classes dominantes e/ou concedendo às classes subordinadas. Também é evidente que o primeiro modo é pervertido e não resolve a situação, embora muito empregado e passível de agravar a situação; o segundo modo requer visão e liderança nas classes dominantes; o terceiro requer paciência, esperança e exemplos vindos de cima de que a situação está mudando.

No Brasil, desde o século XVIII que a corrupção e o suborno são generalizados, começando nos altos quadros político-econômicos (o sabido lesando o otário são figuras conhecidas); quem, por índole, não participa da corrupção é o otário que morre honrado mas pobre, embora veja e saiba disso (ele nada faz para mudar essa situação porque não tem força, por inércia, por medo ou porque acha que não adianta). Para este assunto existe frase lapidar de Rui Barbosa ("de tanto ver a corrupção e desonestidade, sente-se vergonha em ser honesto").

A economia do país sempre foi dirigida pelo Estado, privilegiando grupos ligados ao governo. Sempre existiram inúmeras proibições ao livre exercício econômico, assim impedindo a concorrência e não pondo em risco os privilégios. A livre iniciativa, a concorrência no mercado, ou seja o verdadeiro capitalismo, sempre só existiram ao nível das micro, pequenas e médias empresas (e também algumas grandes) e que não tenham ligação com o Estado, mas aqui tendo que pagar altos impostos sufocantes que transferem a renda para os governantes. Os altos impostos induzem à sonegação e torna exeqüível e vantajoso o suborno dos fiscais.

Como conseqüência disto (ou como causa?) temos o império do imediatismo na economia, com as empresas por um lado e o Estado por outro querendo ganhar o máximo em cada unidade de bem ou serviço produzido; temos assim uma economia emperrada, que pouco cresce, com enormes desníveis de renda e muita miséria e desemprego. Os ricos e o Estado poderiam ser mais ricos, bem como também as empresas de qualquer tamanho e a população em geral, se o enfoque mudasse para o pequeno ganho por unidade e grandes escalas de produção; isto teria que partir do Estado, mudando seu secular comportamento (a desestatização da economia, no Brasil, não passa necessariamente pela venda das empresas estatais, como ultimamente se quer impor).

Com este estado de situação, temos um círculo vicioso e paradoxal: há séculos que o sonho das classes médias para baixo é tomar-se funcionário público, mesmo que os rendimentos sejam baixos, pois fica a certeza da tranqüilidade e longe do fantasma do desemprego (os salários mais altos no funcionalismo público são reservados aos que, de alguma forma, se mostram mais capazes de consegui-lo, inclusive por nepotismo e auto-determinação do nível salarial). Assim, o Estado é inchado de tanta gente, com baixa eficiência, com serviços inúteis apenas para justificar a sua "importância" e o pessoal que admite. Desse modo nascem o excesso de burocracia em todos setores de todos os níveis e as dificuldades para o público e nada funciona (saúde, instrução,educação, transporte, justiça morosa, etc.) que serão um estímulo para o suborno (o "jeitinho") e um rendimento extra compensando o baixo salário de funcionários (não todos) bem como desvios fraudulentos das verbas causando expansão do déficit (notadamente no INSS e maldosamente atribuído aos aposentados) e furtos de armas nas FAs e policiais por alguns de seus integrantes.

Por outro lado, este Estado "paternalista" é ávido por tocar obras, em grande parte inúteis e que em nada contribuirão para a melhoria do padrão de vida da população em geral (o que apelidei de "PIB inútil"), tornando o país um paraíso para os empreiteiros ligados ao governo, e por extensão à grande parte dos fornecedores, com preços mais elevados do que conseguiriam num mercado normal, conluios com a corrupção de alguns altos funcionários de carreira ou eleitos do governo. Tudo é feito para nada funcionar, exceto se for do interesse de algum figurão e sempre prejudicando os considerados como inferiores. Quando é mencionado Estado ou governo, entende-se desde o País (inclusive o Governo Geral e a Coroa na Colônia até o Federal na República) até os municípios .

Com a economia atrofiada e o estado superdimensionado e ávido, os déficits orçamentários são crônicos, gerando permanente inflação (só o governo é responsável pela inflação). Todas as vezes que o governo tentou reduzir o déficit, sempre propugnou só gastar o que arrecadasse; mas jamais realizou o óbvio que seria gastar menos, desfazendo-se dos serviços, pessoal e obras inúteis e deixando a economia desenvolver-se. Pelo contrário, sempre atacou justamente quem sustenta o Estado, ou seja as empresas de qualquer tamanho e as pessoas que nelas trabalham, que atuam (ou tentam atuar) no mercado, acusando-as de inflacionárias e sonegadoras, e mais uma vez, aumentando-lhes os impostos (criando novos e/ou aumentando alíquotas dos já existentes), recorrendo permanentemente à "derrama", causando recessão ou a estagnação e o aumento do desemprego. O normal, no Brasil, é a estagnação e os crescimentos espasmódicos são apenas vegetativos. Quando raramente ocorre um período de crescimento real, logo é seguido de recessão.

Com esta situação, o desemprego permanente (e consequentemente os baixos salários) e a criminalidade são uma constante, e todas as vezes que há recessão ou baixo crescimento do PIB, aumenta o desemprego (e reduz o salário médio) e cresce a criminalidade entre as classes subordinadas. É necessário que fique claro e lembrado que mesmo havendo pleno emprego (oferta e demanda de emprego em equilíbrio e salários crescentes com o nível de produtividade e de produção), sempre haverá crime e o criminoso, porém será em pequena escala.

3. Considerações sobre o Rio de Janeiro

A cidade do Rio de Janeiro (e municípios vizinhos, que formam o Grande Rio) não foge à regra examinada, com duas particularidades:

1) é uma cidade que atrai migração interna e turismo interno e externo. Os turistas são atraídos pelas belezas, confortos e lazeres oferecidos, constituindo um dos principais ramos da economia. Mas também atraem os criminosos; como é a cidade brasileira mais conhecida no exterior e mesmo no Brasil, o que nela ocorre repercute mais do que em qualquer outra;

2) Embora existam bairros mais pobres ou mais ricos, isto apenas constitui a média dos habitantes destes bairros e que os governos têm sucessivamente dispendido em embelezamento e comodidades proporcionalmente mais nos bairros considerados mais ricos. Na realidade, nos bairros mais ricos também existem habitações de famílias pobres e vice-versa; é comum ver-se mansões ou habitações de classe média exatamente ao lado da pobreza. Esta coexistência se dá tanto nas áreas planas quanto nos morros; entretanto, como parte da cidade é entremeada de morros e estes são mais difíceis de receberem arruamento e benefícios públicos, é para onde se dirige a camada social mais pobre (excluindo os mendigos, que ficam pelas ruas) cuja renda não permite sequer um quarto miserável numa casa de cômodos situada nas áreas planas ou morros com ruas.

Deixando de lado a primeira particularidade, que é apenas uma questão de "mídia", examinemos a segunda particularidade e dentro do contexto visto nos itens anteriores. Em todo o Grande Rio, em todas as classes sociais, coexistem pessoas honestas que jamais cometeram um crime, como também os honestos que cometeram algum crime involuntariamente, e os criminosos de todos os tipos e níveis. Entre estes últimos estão os não descobertos, os conhecidos mas impunes, os conhecidos e foragidos, os que respondem a inquérito ou processo em liberdade, os com prisão domiciliar. Ocorre que nas classes mais ricas o crime é em geral mais sutil, ficando, pela ordem, na corrupção, fraude, estelionato, apropriação indébita, tráfico, suborno, estupro, calúnia, difamação, assassinato, etc. Nas classes mais pobres o crime é mais visível por dois motivos básicos: são constituídas por populações muito maiores e com muita pressão pela sobrevivência; a pressão pela sobrevivência faz com que aumente a relação crime/população. Além disso, um terceiro motivo toma mais visível o crime nas classes mais pobres, é o baixo preço da própria vida para o criminoso e a da vítima para ele. Os crimes mais comuns são: furto, roubo, latrocínio, sequestro, tráfico, contrabando, suborno, estupro, assassinato, etc.

Os crimes são cometidos dentro da mesma classe social ou de uma classe social contra outra. Quando dentro das classes sociais mais ricas, é raro vir a público e mais rara ainda a punição (exemplos: o estelionatário Nahas, de centenas de milhões de dólares, teve pena leve e domiciliar; o Paim, da Coroa-Brastel, que lesou cerca de 30 mil pessoas, ficou impune), exceto quando se trata de assassinato (neste caso, o processo é demorado de anos até o transitado em julgado, geralmente com pena mínima, direito a sursis, diminuição de pena por bom comportamento, cela especial ou na própria residência, etc.).

Quando o crime é cometido de dentro das classes mais ricas contra classes mais pobres, os casos são abafados, mais raro ainda vir a público e a impunidade é quase absoluta. A maior parte destes crimes ocorre a nível das empresas de todos os tamanhos (muitas vezes acobertados com subornos para fiscais ou na própria Justiça). Nos assassinatos as diligências geralmente não encontram o culpado ou é absolvido. O mencionado nestes dois últimos parágrafos não é privilégio do Rio de Janeiro, ocorrendo em todo o país.

Os crimes cometidos dentro das classes pobres são semelhantes aos de dentro destas contra as mais ricas, exceto o seqüestro que geralmente é contra os mais ricos. Os furtos e roubos são principais (em maior número), ocorrendo em qualquer lugar e hora, bastando a coincidência de se estar num mesmo local e momento que um criminoso e este julgue propício cometer o crime; pode ser uma casa, apartamento ou mansão, no trem suburbano, ônibus, o condutor de automóvel, na rua, no Maracanã, na praia, etc., e o objeto visado pode variar desde o dinheiro da bolsa ou a carteira, o relógio, o rádio do carro, enfim qualquer coisa que tenha algum valor de venda para um receptador (este é quem fica com a maior parte do lucro dos furtos e roubos de objetos, pagando pouco a cada um e receptando de muitos). O método empregado é o da natureza , o mesmo do animal predador e das ações bélicas, ou seja: surpresa, rapidez, superioridade numérica e violência, na presunção de que a vítima nem os circundantes não reagirão (pelo choque da surpresa ou por medo) e, também, se houver polícia nas proximidades, poderá ser de alguma forma conivente; entretanto, a ação envolve risco de prisão e até de morte. O roubo de maior risco é o de banco, mas de maior valor se der certo. Nestas atividades ocasionalmente pode ocorrer o latrocínio, principalmente quando o criminoso é menor de idade e inexperiente (alguns matam por medo de reação, outros por índole mesmo não havendo reação e por achar que ficarão impunes ao eliminar a testemunha principal). Os criminosos deste nível são sempre jovens e enxameiam as ruas do Grande Rio, principalmente nas horas e locais de maior movimento, levando a neurose à população de todas as classes sociais; o destino é "subir de padrão": para o crime organizado, a penitenciária, ou a morte. Mas o mencionado neste parágrafo ocorre também em outras grandes cidades, como, por exemplo, São Paulo.

O crime organizado envolve principalmente contrabando, tráfico, suborno e assassinato por empreitada. A questão se complica, neste nível de criminosos, pois existe interligação de dentro das classes mais ricas (ricas antigas ou novas, de origem honesta ou criminosa) com de dentro das mais pobres, com os primeiros chefiando e os segundos executando, O contrabando ocorre nos dois sentidos (exportação de ouro, pedras, produtos agrícolas, carros furtados, etc.; importação de objetos eletrônicos ou peças para eletrônicos, canetas, isqueiros, brinquedos, tudo enfim que não é produzido no País ou é de difícil aquisição, incluindo armas), bem como o tráfico de tóxicos (de produção interna, trazido de outro país, ou como conexão entre outros países produtores e consumidores). Muitos policiais (civil estadual, militar e federal) e membros da Justiça (em menor número que os policiais) formam a própria organização ou fazem parte de algumas, ou são subornados (se lembras, foi em 1982 que cunhei "a polícia é caso de polícia", sugerindo que coleções de armas só fossem registradas no Ministério do Exército). Os assassinos por empreitada executam concorrentes de outras organizações, traidores ou suspeitos de serem, concorrentes políticos, quem "sabe demais" etc., e muitos destes criminosos assassinos são policiais agindo sós ou em grupos. A mortandade é elevada, principalmente entre os criminosos recrutados vindos das classes mais pobres. Estes fatos fazem com que a população honesta não confie na polícia, porque fica difícil distinguir qual é o policial honesto e qual é o policial-bandido . É comum policiais em diligência extorquirem ou mesmo saquearem o diligenciado e sua família. Os crimes mencionados neste parágrafo ocorrem em todo o País, embora no Grande Rio o índice seja muito elevado.

Se, como vimos, o que ocorre no Grande Rio é apenas parte do mesmo problema em todo o País, por que tem a fama? De fato, seus níveis de criminalidade aparentemente estão entre os mais elevados, mas o motivo principal é a primeira particularidade, o que ocorre no Rio repercute mais. No Rio estão metade das estações de TV de âmbito nacional, sendo que uma delas é líder de audiência na maior parte do País e tem o costume de realçar a criminalidade no Rio e outros “fantásticos”. Também os jornais e revistas editados no Rio são os mais lidos. E se o crime ocorre em todo o Grande Rio, por que enfatizar os morros? Como foi dito na segunda particularidade do Rio, parte da cidade é entremeada por morros, nos quais habitam mais de um milhão de indivíduos da camada social mais pobre, e esta parte da cidade é a que abrange os bairros mais ricos(zonas Sul e Norte, esta última incluindo os bairros até o Grajaú e adjacências), e isto incomoda as classes médias e ricas. É necessário realçar que incomoda não a existência da pobreza, e sim, hipocritamente, a sua visão e proximidade; na época do governador Carlos Lacerda, chegou-se a remover favelas (termo pejorativo para designar o conjunto de habitações pobres em determinado local, especialmente nos morros) inteiras a força para subúrbios distantes, provocando verdadeiros traumas econômicos nestas populações deslocadas. As populações das favelas geralmente trabalham nestes bairros onde residem, e a remoção resulta em piorar-lhes a vida pelo aumento (muitas vezes insuportáveis) das despesas com transporte e o tempo gasto nos trajetos; nas favelas residem as empregadas domésticas, lixeiros, operários, policiais dos baixos escalões, enfim os de mais baixos salários, e os baixos salários são os frutos do desemprego crônico e do desrespeito com o fator trabalho existentes no País como herança cultural do escravismo; deve-se considerar que a maior parte dos que estão em melhor situação econômica, inclusive a classe média, também sofre dos baixos salários relativos. Entretanto, deve-se salientar que a maioria das favelas existe como produto de roubo em si, pela invasão e ocupação ilegal de terrenos públicos e privados, e que não se consegue recuperar ou ser indenizado, ficando o proprietário com o prejuízo. No roubo de terras, o governo e a justiça se mostram incompetentes para resolver problemas econômicos e sociais, tratando o ladrão de terra como “coitadinho injustiçado” e não assume sua responsabilidade; com isso as favelas crescem em quantidade e tamanho.

É claro que neste ambiente (geral e das favelas), é fácil encontrar os que preferem (acham mais rendoso) roubar e furtar nas ruas embaixo, bem como recrutar mão-de-obra para o contrabando e o tráfico. A polícia, ao invés de investigar, prender e levar à justiça, então "mostrando serviço", sobe os morros de armas na mão (geralmente fuzis e metralhadoras) e invade as casas, atira e mata inocentes e, por vezes, também criminoso, atos que não ousa praticar em outros locais; invariavelmente, todos os mortos são tidos como criminosos e que reagiram à polícia. Com esta prática, ocorrem dois resultados: os criminosos passam a se armar pesadamente (toda ação tem reação contrária) e a criar minigovemos nas favelas, em que a população os acoberta e silencia e em troca recebe ajuda económica. Uma ajuda econômica das mais visíveis é que, nos últimos anos, os frágeis barracos feitos com material rudimentar têm sido substituídos por construções de alvenaria, o que melhora o nível de vida, mas também aumenta a proteção contra as invasões policiais e o transpassar dos projéteis, e isto é uma vantagem também para o criminoso, criando verdadeiras fortalezas guardando os morros do Rio.

Os "banqueiros" do jogo do bicho, já ricos, costumam residir em mansões localizadas nos bairros mais pobres e municípios vizinhos no Grande Rio, onde vivem como grandes e respeitáveis Senhores. Não são criminosos e sim contraventores (fazem algo ilegal, mas não prejudicial ao património e às pessoas) e "empregam" milhares de pessoas de todo Rio para este "trabalho". O problema maior nesta atividade é que, para poder funcionar, tem que subornar a polícia e esta "fecha" os olhos (e até colabora ) para outras atividades (estas sim criminosas) paralelas.

Com isto tudo, os últimos governos eleitos foram os que prometeram o "socialismo moreno", que não resolve os problemas econômicos e sociais, mas a polícia não perturba e só cuida dos corriqueiros (é comum saber-se e até ver fotos de governador e prefeitos do Grande Rio juntos, em alguma festa, com grandes contraventores e criminosos). Como "novidade", existe a pressão política para legalizar a reabertura de cassinos, como panacéia econômica, em cidades com "vocação turística", o que na realidade só irá facilitar (e muito) a "lavagem" de dinheiro da criminalidade.

4 - Conclusão

Esta foi uma análise muito resumida da complexa situação criminal no Brasil e sob a ótica economica e social. É um problema de difícil solução e que passa necessariamente por decisões políticas de longo prazo de maturação, que levem ao desenvolvimento econômico e a eliminação (ou pelo menos à diminuição) da pobreza e da miséria, que transforme ao máximo a economia informal em formal. A economia informal é feita por pessoas basicamente honestas, na maioria das vezes levadas a isto pelas dificuldades existentes tais como a falta de empregos, excesso de proibições e de impostos, e é freqüente terem que incorrerem em crimes de suborno e outros (inclusive contrabando). No âmbito geral, pode-se dizer que uma parte da criminalidade é forçosamente um ramo pernicioso da economia informal.

No aspecto prisional têm-se um grande problema. Não há prisões suficientes no país para comportar os criminosos condenados, situação agravada com o aparente crescimento da criminalidade. Somente com a construção maciça e contínua de novos presídios, o que acarreta altos custos em construção e em manutenção, este aspecto poderia ser resolvido, e sempre paliativamente se o comportamento político em relação ao econômico-social não mudar.

Também, os presídios não funcionam, pois, devido à carência dos mesmos, estão sempre super-lotados, com excesso de prisioneiros por área, sem atividade útil e remunerada, sem atividade de instrução, educação e cultural. Neste processo saem piores do que entraram. Em solução escapista, as penas são frouxas, são reduzidas, abusa-se da liberdade condicional.

A outra questão é a atitude da mídia, e a população repete, banalizando o crime denominando-o de violência. A violência faz parte da natureza: um furacão que assola uma região com violência, um vulcão que explode com violência, leão ou tubarão que ataca uma presa, dois meninos que brigam; também faz parte da falta de respeito: um idoso não atendido pelo serviço público e que chega a morrer na fila de espera, um motorista de ônibus que não para no ponto para os passageiros que esperam; os exemplos podem ser infinitos e não constituem crimes. É claro que os crimes são atos de violência, mas ao designá-los de violência, a idéia se volatiliza.

A mídia se escandaliza com os mortos por arma de fogo e, para manter o sensacionalismo, não divulga os números estatisticamente corretos sobre quem matou quem e com que meio; é possível que outros meios suplantem as armas de fogo, sendo que estas são as mais empregadas pelos policiais. A mídia reproduz os informes policiais sem investigar sua veracidade, e quando a informação aparece não dão o devido relevo desmentindo o informe.

Com tudo isso o Brasil é conhecido mundialmente como o país do futebol (Pelé em primeiro e único brasileiro conhecido), do carnaval (do qual só se divulga o samba, enquanto que o carnaval do Rio não é o maior do país), da criminalidade, prostituição e impunidade.

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