Publicado na seção Opinião da revista Época de 19/6/00

Quando a sucessão de fatos absurdos é demais, pode haver lógica por trás da loucura

por Olavo de Carvalho

"Como pode um atirador profissional errar uma cabeça a um palmo de distância?" Eis uma pergunta que não vale a pena fazer e todo mundo faz.
Em compensação, no caso há perguntas que vale a pena fazer e ninguém fez.

Com que raio de lógica as pessoas que imputam à polícia um catastrófico despreparo para lidar com tiroteios saem pregando, minutos depois, o desarmamento civil? Que sentido faz entregar a despreparados o monopólio do uso das armas de fogo?

Diante da tempestade de críticas à polícia por não ter agido em tempo, podemos estar seguros de que essas críticas seriam mais brandas caso tivesse agido? Ou, como sempre acontece, a eficiente liquidação de um criminoso seria denunciada como um chocante exemplo de violência policial?

Não só essas perguntas são decisivas, porém mais decisiva ainda é sua sutil interligação. Exigências absurdas e cobranças do tipo "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" nem sempre refletem falta de lógica. Ocultam, às vezes, a lógica mais profunda de uma estratégia de manipulação. Estimulação contraditória e reivindicações propositadamente insensatas são meios consagrados de produzir crises e precipitar revoluções. De O Estado e a Revolução, de Lenin, à Teoria da Dissonância Cognitiva, de Leon Festinger, passando pela Técnica do Golpe de Estado, de Curzio Malaparte, e pelo Tratado de Desinformação, de Vladimir Volkoff, a bibliografia é rica em obras sobre o assunto, as quais, infelizmente, só são lidas neste país por pessoas que têm menos interesse em divulgá-las que em colocá-las discretamente em prática.

Que a confusão está chegando ao ponto adequado, nada mais óbvio. Quando um comando policial, paralisado pelo temor de críticas, se inibe de agir na hora certa, em seguida um soldado desgovernado age na hora errada e no fim seus colegas, apavorados, se emporcalham na baixeza inominável de matar um prisioneiro para despistar um erro, a conclusão é inevitável: a polícia endoidou.

E não foi só ela. Um governo que, sob o impacto emocional desses acontecimentos, quer aprovar às pressas um "plano nacional de combate ao crime" que mal acabou de ser redigido e nem começou a ser discutido está tão doido quanto essa polícia. E um povo que, num desvario de autocastração, se dispõe a entregar suas armas para confiar-se inteiramente a um protetor que ele próprio declara inepto está bastante desorientado e mal da cabeça.

Quem está endoidando: a polícia, o governo, o país inteiro? Não sei exatamente. Sei que, segundo os livros clássicos da matéria, a engenharia da crise depende menos dos fatos reais que de um fluxo planejado de informações a respeito. Montando-as de modo a produzir desespero, recriminações estéreis e compulsivos rituais de corte de cabeças, pode-se levar um país àquele optimum de confusão necessário a golpes e revoluções.

Rastreando portanto a origem das estimulações contraditórias, talvez possamos descobrir, como diria Shakespeare, o método por trás da loucura.
Olavo de Carvalho é filósofo. =======================================================