Ultimamente, sempre que se discute o problema do
aumento da criminalidade urbana, sobressaem certos indivíduos, dotados
de inteligência acima da média (das amebas), que se apressam
em expressar a "brilhante" solução: é preciso
desarmar a população. Esta afirmação impensada,
fruto da desinformação e do desejo sincero (será ?)
de ver nossa sociedade livre das balas perdidas, latrocínios, grupos
de extermínio, e outras mazelas, parece nascer do seguinte raciocínio
equivocado: armas de fogo matam, e a população está
armada, logo, a população é quem está matando.
Assim, claramente exposto, fica evidente o absurdo de tal forma simplista
de pensar. Sua inconsistência seria motivo de risos, caso sua repetição
diuturna, em todos os espaços da mídia, não a estivesse
transformando em mais uma daquelas unanimidades burras às quais
se referia a genialidade de Nelson Rodrigues.
Em primeiro lugar, armas não matam; homens matam. As armas são
meros instrumentos que podem ser utilizados também, e não
apenas, para este fim. E por arma entenda-se qualquer instrumento utilizado
para ataque ou defesa. Mesmo que fosse possível a eliminação
de todas as armas de fogo, estas seriam rapidamente substituídas
por armas brancas (até mesmo um garfo pode se tornar uma arma eficiente).
Proibidas as armas brancas, apelar-se-ia às técnicas de combate
corpo-a-corpo. Foi exatamente assim que surgiram as artes marciais. Isso
não acarretaria nenhuma redução na violência
urbana. Voltaríamos sim, à lei das selvas, onde o mais forte
subjuga o mais fraco. O único desarmamento real é o do espírito
humano, objetivo buscado, a milênios, pelas diversas religiões
em todo o mundo, com resultados pouco animadores.
Quando se declara que a população está armada,
coloca-se no mesmo "saco de gatos" situações completamente
distintas. Em primeiro lugar, apenas uma minoria da população
é proprietária de armas de fogo. Mantidas as proporções,
se compararmos o Brasil com países como a Suíça e
a Alemanha, exemplos de tranqüilidade social, a população
brasileira seria considerada até que bastante desarmada. Mas, mesmo
entre os que estão de posse de armas de fogo, ocorrem situações
que não podem ser confundidas. Existem aqueles que usam das armas
(de fogo, ou não) com o intuito de dar vazão a sua intenção
criminosa. Outros, os cidadãos honestos, utilizam-nas como um último
recurso para se defenderem dos primeiros, pelo menos até a chegada
de apoio policial. E não se deve esquecer dos colecionadores e praticantes
das diversas modalidades esportivas relacionadas ao tiro. Quanto aos primeiros,
estes devem sofrer o rigor da lei, e seria razoável que fossem o
alvo principal daqueles que tanto se empenham na campanha pela redução
da violência. Os segundos, devem ter garantidos os seus direitos
de defesa de sua propriedade e, principalmente, de seus familiares, cuja
proteção é, em última análise, responsabilidade
sua. Os últimos, os atiradores e colecionadores de armas de fogo,
devem ter seu direito ao lazer protegido contra aqueles que, por preconceito
ou por não compartilharem de seu gosto pelas armas, tentam, levianamente,
apresentá-los à sociedade como cidadãos pervertidos
e mentalmente desequilibrados.
Infelizmente, estes dois últimos são os alvos prediletos
de setores da mídia em sua campanha irracional pelo desarmamento.
Quem não se lembra do lamentável episódio, ocorrido
em julho de 1995, da acusação de contrabando que recaiu sobre
a Associação Brasileira dos Colecionadores de Armas, enquanto
seus membros exerciam o direito legal de importação de armas
para coleção? E o que foi pior, chegaram ao absurdo de divulgar
uma relação de seus associados, pondo em evidente risco a
segurança de seus familiares.
E os argumentos apresentados por aqueles a favor do aumento das restrições
ao porte e, até mesmo, contra o registro de armas, não sobrevivem
à uma análise crítica dotada de um mínimo de
racionalidade. Afirmam estes, por exemplo, que o porte de armas de fogo
por civis não contribui para sua segurança. Como "prova"
disso, acenam a "estatística" da OAB de São Paulo
que declara que apenas uma em cada 16 reações com o uso de
armas de fogo é bem sucedida. Ora, fora raríssimas exceções,
uma reação armada só se transforma em ocorrência
policial quando o proprietário da arma é ferido ou quando
este tem sua arma registrada levada pelo criminoso. Neste último
caso, a ocorrência é feita para evitar o comprometimento do
antigo proprietário da arma, caso esta venha a ser utilizada em
crimes. Não estão arroladas, dentre estas ocorrências,
as inúmeras vezes em que roubos, estupros e violências afins
foram impedidos apenas pelo estampido de uma arma de fogo. Inúmeros
também foram os casos em que a simples percepção pelo
meliante de que sua pretensa vítima portava uma arma de fogo foi
suficiente para evitar um crime. E, finalmente, é sabido que a descrença
na instituição policial faz com que as reações
bem sucedidas não sejam declaradas, salvo quando inevitável.
Tudo isso faz com que as ocorrências policiais sejam o que, em estatística,
é conhecido como amostra viciada, fornecendo informações
tendenciosas sobre o fato analisado, não representando a realidade.
Citando o ilustre economista e deputado federal Roberto Campos: "Às
vezes, a estatística é como o biquíni fio dental,
mostra o supérfluo e esconde o essencial".
Outro argumento freqüente, é o de que a população
armada seria a grande fonte de armamento da marginalidade. Não é
conhecida a origem desta informação, porém, números
apresentados pelo Deputado Roberto Jefferson mostram que 74% das armas
apreendidas pela polícia no Rio de Janeiro são proibidas
para o uso civil, o que põe em dúvida sua veracidade. Também,
só mesmo marginais muito desesperados usariam armas com os calibres
"anêmicos", permitidos aos civis, como suas "ferramentas
de trabalho" (sic!).
Há ainda os que declaram que a criminalização do
porte ilegal teria o mérito de facilitar a prisão dos criminosos
pegos portando armas de fogo. Na verdade, a exigência do registro
da arma, documento necessário para a compra da arma por vias legais,
já seria suficiente para enviar a maioria destes criminosos à
cadeia. Principalmente em estados como o Rio de Janeiro, onde, mesmo para
os indivíduos mais qualificados, é praticamente impossível
a obtenção de um porte de arma, o registro, da arma, e não
o documento de autorização de seu porte, é o que melhor
distingue o marginal do cidadão comum. Não se trata de incentivar
o porte ilegal da arma, mas de garantir que o meliante contumaz e o cidadão
de bem, morador de uma área de risco, e que, por exemplo, precisou
inesperadamente sair de madrugada para a compra de um medicamento, sejam
acusados pelo mesmo crime, caso sejam flagrados portando uma arma.
Evidentemente, existem inegáveis aspectos negativos no uso de
armas de fogo. Já foram relatados casos de assassinatos por motivos
fúteis, disparos acidentais, acesso de crianças às
armas dos pais, dentre outros. Mas serão estes fatos isolados suficientes
para justificar um desarmamento geral? Não deveriam ser contabilizadas,
também, as inúmeras vidas salvas, direta ou indiretamente,
pela presença de uma arma em mãos bem treinadas? Não
seria melhor uma campanha de conscientização dos proprietários
sobre a necessidade de treinamento para o uso correto e seguro de armas
de fogo? Não se pode avaliar uma questão considerando-se
apenas os seus aspectos negativos. Seria como sugerir a proibição
da posse de automóveis pelo cidadão, pois, mesmo mantidas
as proporções, matam com muito mais freqüência
que as armas de fogo.
Os argumentos apresentados contra a propriedade de armas de fogo são
tendenciosos, preconceituosos e irracionais. Desarmar a população
não é um objetivo passível de êxito. Certamente,
as armas registradas, de propriedade dos cidadãos de bem, poderão
ser facilmente apreendidas. Difícil mesmo será a captura
do armamento sofisticado que se encontra nas mãos da bandidagem.
As conseqüências de tamanho desatino são bastante previsíveis:
a garantida satisfação dos criminosos, por saberem que o
cidadão comum estará indefeso, o desespero do homem de bem,
vendo-se cerceado no direito de proteger os seus, e, certamente, o júbilo
dos contrabandistas de armas e munições, que verão
um crescimento substancial em seu mercado.
Para concluir, o desarmamento da população não
deve ser visto como uma solução para a violência. Esta
declinará, atingindo níveis aceitáveis, quando em
nossa sociedade houver uma melhor justiça social, um poder judiciário
eficiente, e, muito importante, uma polícia profissional e com salários
dignos, que se faça presente no dia-a-dia do cidadão.