De Volta à Ditadura.

Editorial do ARMARIA nº 19

Não se pode confiar num governo que não confia em seus cidadãos armados.

Maquiavel

Com a aprovação da lei nº 9437 de 20 de fevereiro de 1997, que criminaliza o porte de arma, os brasileiros, sem se darem conta, acabam de dar um perigoso passo em direção ao totalitarismo.

A nova lei ignora um princípio jurídico básico, de aceitação internacional, que é o mens rea, ou seja: mente culpada. Isto significa que para alguém ser condenado, não basta cometer uma ofensa, mas também ter a intenção de cometê-la.

Vamos explicar esse ponto através de dois exemplos bastante simples:

Exemplo 1: Vamos supor que você, leitor, venha dirigindo seu carro por uma rua, na faixa da direita e dentro da velocidade estipulada para o local. De repente, um cidadão que estava andando distraidamente pela calçada, resolve atravessar a rua e se joga diante de seu veículo. Para seu desespero, não há tempo de frear nem você teve reflexos para desviar o carro rapidamente. O terrível resultado é que o cidadão atropelado bate com a cabeça no meio fio e morre. Para cúmulo de seu azar, a vítima era um cantor popular de grande sucesso e milhões de fãs no país.
A imprensa vai noticiar o acidente em letras garrafais e todos os fãs do cantor vão exigir sua prisão. Apesar de tudo, você não irá para a cadeia. Afinal, você é um cidadão perfeitamente integrado na sociedade e não saiu de casa com a intenção de matar alguém. Tampouco estava alcoolizado e seu prontuário no Depto. de Trânsito não revela um histórico de direção perigosa. Trata-se de um homicídio culposo, onde você não teve a intenção de atropelar ninguém, e se não for constatada grave imprudência, negligência ou imperícia, não haverá pena de prisão. (Obs. - Isso não o livra de um processo cívil para indenizar a família da vítima)

Exemplo 2: Vamos agora imaginar uma outra situação bastante plausível. Você tem um filho(a) adolescente que entrou em depressão (algo relativamente comum entre os adolescentes). O médico recomenda que, por via das dúvidas, você tire de casa qualquer arma. Imediatamente você vai ao seu armário, pega o velho 38 registrado, tira toda munição, guarda-o numa caixinha e transporta-o para a casa de um parente próximo.
Para seu azar você é parado numa batida policial de rotina e o guarda encontra a arma dentro da caixinha. Pronto, você cometeu um grave crime! Pelo artigo 10º da nova lei você poderá ser condenado de um a dois anos de prisão.

Observe que no primeiro exemplo não houve intenção mas houve vítima. No exemplo dois não houve nem vítima nem intenção de fazer mal a alguém. Mais ainda, você não estava portando a arma - apenas transportando, e o Estado o autorizara a ter aquela arma (estava registrada). Nada disso o livrará de uma condenação penal.

Você acha que isso não vai acontecer? Que nenhum juiz faria isso? Pois no estado de Massachusetts, nos EUA, que tem uma lei muito parecida com a nossa (lei Bartley-Fox), um estudante adolescente, de excelente comportamento, precisou de dinheiro para adquirir seu anel de formatura. Resolveu, então, vender alguns objetos que não usava mais, entre eles uma velha carabina sem registro. Dirigindo para a loja de armas cometeu uma infração de trânsito e foi parado por um policial (lá não existem batidas policiais como nós conhecemos). O guarda viu a arma dentro do carro sem autorização de transporte e sem registro e prendeu o rapaz em flagrante, que foi condenado a um ano de prisão. Apesar da imprensa noticiar o caso como uma grande injustiça, o estudante não escapou de cumprir pena na cadeia. (1)

Note que isso aconteceu num país de Primeiro Mundo e com muito mais tradição em armas que nós. Com toda essa campanha anti-armas na imprensa, você imagina que não irá enfrentar um juiz que odeia armas e acha que todos que as possuem são pessoas violentas e desajustadas?

Na antiga lei das contravenções penais o juiz podia condená-lo por porte ilegal de arma a até quatro meses de cadeia (se ele concluísse que você era um delinqüente ou tinha má intenção), ou comutar para uma multa, se constatasse que você era apenas um cidadão querendo se proteger. A lei 9437 retirou essa flexibilidade do juiz.

Observe que o Estado vai condená-lo e privá-lo da liberdade baseado na presunção de um crime, o que é um absurdo e uma temeridade. A nova lei parte do pressuposto que se você está armado é para cometer um crime. Estão certos os americanos quando afirmam que toda restrição ao direito de ter armas é sempre acompanhada de restrições a outros direitos civis. Quando a sociedade aceita o princípio da presunção de crime está criado o ambiente para um estado totalitário. Este princípio pode ser facilmente aplicado a outras situações e atividades, notadamente (e principalmente) à atividade jornalística.

Exatamente por isso, no passado, vários juristas preocupados com a democracia pronunciaram-se contra a criminalização do porte de arma. Estranhamente, em 1997, nenhum se manifestou contra. Ao contrário, a lei foi aplaudida pela OAB do Rio de Janeiro e de São Paulo. O que terá mudado no Brasil?

Acorda Pindorama! Já são tantos os indícios...

Ave, Fujimori!

L. Arruda

Referências:

(1) - David Hardy - Legal Restrictions on Firearms Ownership as an Answer to Violent Crime: What Was the Question? - Hamline Law Review 6 (julho 1983)


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