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A Arma Maldita!
Editorial do ARMARIA nº 12 - novembro de 1993

Vez por outra os meios de comunicação cismam com alguma coisa, ou algum detalhe, e passam a fazer enorme sensacionalismo com aquilo que está na berlinda. Com a grave questão do banditismo no Rio de Janeiro e a crise institucional de sua polícia, uma arma atingiu o status de celebridade. A nova "jóia da mídia" é o fuzil semi automático AR-15, que obteve, assim, sua consagração nacional. Os jornalistas e o público leigo ficam em estado catatônico diante de suas linhas futuristas e sua fama de arma da Guerra do Vietnã ou, melhor dizendo, Guerra do Golfo - que é mais recente. A arma caiu na "boca do povo" e nós, na qualidade de entusiastas de armaria, volta e meia nos vemos a esclarecer os amigos leigos que - ...não, ela não dá 5000 tiros por segundo nem vara o motor de um caminhão! AR-15

Mas que arma é esta que despertou o furor da imprensa e tornou-se o objeto do desejo de nove entre dez bandidos do país?

O fuzil AR-15, para início de conversa, não é um fuzil, e sim uma carabina - se seguirmos as definições clássicas de armaria. Não é a mesma arma usada pelo exército americano na Guerra do Golfo, muito embora, por motivos mercadológicos, tenha a mesma aparência externa. Sua munição, o cartucho .223 Remington, é considerada fraca e, nos EUA, é classificada como "varmint round", que significa munição para caça pequena (coelhos, coiotes, marmotas, etc.).

A arma foi concebida para o público civil e só dispara no regime semi-automático - isto é: um tiro para cada acionamento do gatilho. Sua venda é liberada nos EUA, na maioria dos países da América Central e em vários países da América do Sul com os quais o Brasil tem fronteira. No Brasil, por uma questão de estratégia militar, todas armas longas raiadas semi-automáticas acima do calibre .22 Long Rifle estão proibidas para uso civil desde a ditadura Vargas (1936). Como se pode notar, o AR-15 já estava proibido em nosso país várias décadas antes de ser projetado e muitos anos antes de qualquer bandido pensar em traficar tóxicos.

Convém lembrar que as armas semi-automáticas surgiram com o advento da pólvora sem fumaça, no final do século passado. Até 1936 podiam ser vendidas livremente no Brasil, e o foram, como demonstram inúmeros exemplares de fuzis Remington e Winchester com este tipo de ação que aparecem em antiquários e coleções particulares. Diga-se de passagem, estas armas do início do século eram bem mais potentes que o AR-15 e sua munição "varmint".

Outra balela divulgada aos quatro ventos pela mídia é que o AR-15 é uma arma tão potente e moderna que nem o Exército Brasileiro tem. Este comentário revela quanto nossa imprensa é americanófila e como os brasileiros desprezam o que é nacional de um modo geral. Pois saibam que o nosso Fuzil Automático Leve (FAL), fabricado logo ali em Itajubá, é considerado, até hoje, o melhor fuzil de batalha do mundo e sua munição tem o dobro da energia da munição do AR-15. Isso sem mencionar que ele é 100% automático, enquanto o AR-15 não o é.

Para os bandidos que se entrincheiram nas favelas o AR-15 não é a arma ideal. Sua munição tem baixo poder incapacitante(Stopping power), ou seja: uma pessoa atingida por um tiro de AR-15 pode continuar a combater por um longo tempo até que os efeitos da hemorragia se façam sentir. Mais ainda, por ser munição de alto poder de penetração pode ocasionar muitas baixas entre a população que lhes dá abrigo em caso de tiroteio na favela. Como se não bastassem esses inconvenientes, a munição .233 é cara e de difícil obtenção. Além de ter sua venda proibida, somente a Força Aérea Brasileira emprega armas nesse calibre. Em outras palavras - com poucas fontes de fornecimento o bandido ficará eternamente dependente do contrabandista.

Não temos dúvidas em afirmar que estes marginais estariam muito melhor armados se empregassem carabinas Puma calibre .44 e submetralhadoras 9mm. O problema é que submetralhadoras são difíceis de se obter, tanto aqui como no exterior, e carabinas Puma têm venda controlada no Brasil (convém lembrar que bandido não compra arma em loja) e, além disso, por serem baratas, não interessam aos contrabandistas trazerem-nas de fora.

A essa altura o leitor já deve estar pensando, - mas se o AR-15 é uma arma fraca e inadequada, porque bandidos e policiais o desejam tanto? A resposta a esta pergunta é muito simples: ignorância! O AR-15 é uma arma maldita porque é FEIA. Não usa madeiras nobres envernizadas nem, tampouco, metais usinados e oxidados com alto brilho. Em vez disso, emprega plásticos em lugar das madeiras e o metal é estampado com acabamento apenas fosfatizado. O que torna o AR-15 um campeão de vendas é o mesmo motivo que o tornou uma arma maldita: sua semelhança com o fuzil M-16 empregado pelo Exército dos EUA. Desde que o mundo é mundo todos querem a arma que o exército está usando - ainda mais se é o exército mais poderoso do planeta. É sabido que as armas semi-automáticas só tiveram êxito comercial depois que os militares passaram a adotá-las. Esse é um fenômeno universal. Some a este fato a idolatria que Hollywood faz do M-16 e pronto - temos todos os ingredientes para o sucesso.

Quem não pode ter a arma do Rambo contenta-se com uma parecida!

Os Editores.


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