O Público Alvo.
por Luiz Afonso S. P. dos Santos

Com o aumento da violência multiplicam-se campanhas contra ela. Variam na forma mas a tônica é sempre a mesma: "somos pela paz e contra a violência". Tudo bem, somos todos contra a violência, mas e daí? Creio que o objetivo de qualquer campanha deva ser extrair dela algum resultado concreto, e ao falharem, com a violência crescendo continuamente, seus idealizadores dizem que trata-se de um "processo de conscientização", resta perguntar a quem querem "conscientizar."

O conceito de violência permite as mais diversas abordagens que o definam no tempo e no espaço, eticamente e em relação a seus agentes e vítimas. Existe uma longa série de violências no cotidiano de nosso povo, como a miséria, a falta de serviços públicos adequados, os impostos extorsivos, dentre outras tantas. Vamos nos restringir á violência física, com a qual a humanidade conviveu desde os primórdios e os povos e indivíduos, progressivamente foram abandonando a idéia de cometê-la, pela única razão de que a violência trás dor e sofrimento como conseqüência. A natureza humana, da mesma forma que espera não ser vitimada por fenômenos naturais como enchentes, furacões, maremotos, entre outras tantas manifestações adversas da natureza, definitivamente almeja a paz e não a guerra. Entretanto, da mesma forma que é obrigada a conviver com a violência da natureza sem que possa impedi-la, a humanidade é obrigada a conviver com as mais diversas manifestações de violência humana, no mínimo como vítima. É este o ponto central da questão, sermos contra a violência não vai impedir que ela ocorra, pois enquanto houver um governo ou um grande número de indivíduos dispostos a praticá-la, ela ocorrerá com a mesma certeza de que ocorrerão enchentes ou terremotos. E em vez de bradar contra a violência da natureza, a humanidade dela se protege através de diques, barragens, dispositivos contra incêndios, etc., e tenta se antecipar a eles, através de pesquisas meteorológicas e sismográficas. No terreno das relações humanas esta proteção é feita historicamente através do aperfeiçoamento das ciências humanas, das leis e aparatos policiais do estado democrático, da diplomacia, e quando tudo o mais falha, dos instrumentos de proteção individual, seja um veículo blindado ou uma arma. Homem e arma sempre caminharam junto ao longo da história, e isto é parte da natureza humana, por instinto queremos estar protegidos.

Se queremos algum progresso na luta contra a violência, precisamos defini-la, nomeá-la e encontrar uma estratégia de combate a suas causas e efeitos, justamente o que não é feito nestas campanhas. As campanhas contra a AIDS, por exemplo, por menores que sejam seus resultados, têm sempre um saldo positivo, pois são veiculadas para toda a população, e toda a população pratica o ato sexual, ou pelo menos deveria praticar. Como há uma certa promiscuidade, e não existem ainda vacinas ou remédios contra o mal, nada como alertar o jovem sobre o perigo da doença e das formas de se preveni-la. O mesmo se dá em relação à imprudência no trânsito, excesso de bebida, obesidade, câncer, etc., que são problemas cuja vítima potencial pode prevenir, desde que bem orientada.

Com relação à violência da qual estamos falando, entretanto, o público alvo destas campanhas também é toda a população, a qual, ao contrário do sexo, não pratica crimes e sim é vítima deles. Qual o sentido prático fazermos campanhas para que o povo não faça algo de que não é o agente e sim vítima? O povo não é criminoso, apesar de alguns o afirmarem para justificar medidas autoritárias. Assim sendo, o público alvo destas campanhas deveriam ser os criminosos e os paracriminosos que giram em torno deles, o que obviamente seria algo totalmente inócuo.

A violência não pode ser encarada emocionalmente, há que se estudá-la em seus detalhes, analisá-la com método e ver suas diferenças. No fundo, ao não diferenciar eticamente a violência criminosa e agressora, da violência legítima, praticada com o objetivo de se enfrentar a barbárie, estas campanhas funcionam como mais um elemento de inibição da vítima em relação ao agressor. É a negação da prática histórica do homem, prática esta que foi instrumento do progresso, pois se ao contrário, a humanidade houvesse se rendido aos agressores criminosos, a ciência e a democracia teriam sucumbido e estaríamos vivendo nas trevas.

No contexto atual, onde o Estado oficial foi superado pelo crime, creio que todos têm claro que a fase que vivemos é de total anomalia e a população precisa reencontrar seus instintos para não sucumbir à barbárie, representada pela ação predatória de centenas de milhares de indivíduos que optaram pelo delito como forma de vida. Colocar no mesmo nível, como "violência", a atitude legítima e legal de autodefesa do cidadão, com a violência criminosa do bandido, é um desserviço à cidadania, induzindo-a cada vez mais à rendição e consequentemente, o criminoso a uma maior prática de crimes, pela facilidade crescente oferecida pelas vítimas inertes e aterrorizadas, visto que um predador jamais se sensibilizará com esta pregação piegas antiviolência e pela paz.

Creio que o único sentido prático de curto prazo (visto que as de longo prazo, que combatam suas causas profundas, dependem de recursos e de condições políticas inexistentes) de qualquer campanha contra a violência, seja a cobrança de medidas do Poder Público para a diminuição da ocorrência de crimes, o que somente será atingido com o encarceramento dos criminosos, com uma atuação mais firme da polícia e com o fim da repressão ao cidadão que queira exercer seu direito de legítima defesa, direito esse frontalmente violado por diversos governos estaduais, que sob o pretexto de que os cidadãos honestos, e não os bandidos, são os homicidas, não emitem portes de arma.

Nossa defesa do direito de autodefesa não é uma luta qualquer, além de estarmos defendendo uma forma concreta de proteção de nossas vidas, travamos uma luta histórica em nosso país, e o resultado dela será decisivo para as liberdades individuais das futuras gerações, liberdades estas que sob os mais diversos pretextos estão sendo minadas por uma insidiosa campanha que pretende igualar o criminoso e o cidadão como "violentos" e passíveis do mesmo tipo de tratamento pelo Estado.


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