Questões Impertinentes
por George Jonas
Sou um cidadão preocupado com as armas,
mas, na realidade, estou mais preocupado com o controle das armas.
Não sou caçador, atirador ou colecionador, mas como cidadão
tenho meu ponto de vista pessoal sobre esse assunto. Uma campanha para
banir armas, ou alguns tipos de armas, é sempre baseada num tipo
de questão que nunca deve ser feita numa sociedade livre - "Para
que você precisa disso?"
Mesmo que esse tipo de pergunta tenha resposta - e no caso de armas
a resposta é fácil - ela nunca deve ser feita. Nas sociedades
livres as pessoas não devem ser questionadas por alguma coisa que
desejam ter. (A não ser, é claro, que o objetivo seja
ilegítimo - quando então nenhuma necessidade serve como justificativa.)
Não há nada de teórico ou acadêmico nessa
colocação. Isso afeta a vida de cada um de nós. Se
a sociedade exige fiscalizar as "necessidades" da escolha pessoal
de cada um, para então julgar essa necessidade de acordo com gostos
ou padrões de outros, está aberta a porta para a tirania.
(Como posso julgar, por exemplo, o quanto você precisa de proteção
pessoal?)
Se precisarmos mostrar necessidade para possuir alguma coisa, então
não poderemos ter muito mais que comida e abrigo.
Outros, que têm hábitos e gostos diferentes dos nossos,
poderão fazer leis para banir qualquer coisa - de carros a casacos
de pele. Ou algo que gostemos, tal como bebidas ou cigarros. Isso sem falar
em música ou livros. Essa não é uma hipótese
abstrata: é exatamente o que acontece em sociedades que proíbem
livros, música, bebidas ou alguma atividade baseados no conceito
de que estas são prejudiciais física ou moralmente a algum
usuário ou ideais sociais.
É claro que em nenhum lugar do mundo você poderá
comprar um míssil terra-ar na loja da esquina, nem isso deve ser
permitido. Mas nos países livres o ônus de justificar uma
proibição cabe àqueles que querem restringir algo.
Ao perguntar aos cidadãos "Para que vocês precisam disso?"
estamos invertendo esse ônus.
Do momento que a questão "Para que você precisa disso?"
for legitimada, qualquer resposta convida a outras questões. Por
exemplo, a resposta "Preciso da arma para caçar" leva
a outra pergunta "Mas porque você precisa caçar?".
Não importa se essas questões são válidas ou
não. O que importa é que se permitirmos que elas sejam feitas,
estaremos permitindo que outros julguem nossas escolhas pessoais.
Justificar a necessidade de uma arma - qualquer arma - não é
muito difícil. Ë bem mais fácil que, por exemplo, justificar
a necessidade de um carro que ande muito mais rápido que a máxima
velocidade permitida no país. Ou a necessidade de viajar para a
Europa nas férias. Não é possível contra-argumentar
que automóveis velozes ou viagens de férias não botam
em risco a vida de ninguém. Botam sim! Viagens ou formas aventureiras
de recreação sempre criam problemas de segurança e
riscos para a saúde. Elas poluem e consumem recursos não
renováveis de energia. Morre muito mais gente devido ao uso irresponsável
de automóveis que do uso irresponsável de armas de fogo.
A utilidade de um veículo que ande mais rápido do que
uma pessoa prudente andaria não é maior que a utilidade de
uma arma que dispara mais rápido do que uma pessoa precisa atirar.
Não, eu não estou sugerindo que se banirmos as armas de fogo
rápido devemos também banir os carros rápidos. Deixo
essas sugestões para outros. O que estou dizendo é que "necessidade"
não é um teste válido para armas mais do que é
para veículos ou qualquer passatempo ou diversão.
Alguns podem argumentar que veículos ou "hobbies" são
diferentes de armas. Barcos velozes ou paraquedas, mesmo trazendo custos
sociais, mesmo levando, às vezes, a conseqüências trágicas,
têm um valor intrínseco, enquanto as armas não têm
nenhum valor. Armas só servem para matar.
Este é um argumento tentador, porém falso. Muitas pessoas
têm armas, inclusive de fogo rápido, para proteção.
A necessidade de proteção pode não aparecer freqüentemente.
Com sorte, pode-se passar uma vida sem que ela apareça. Mas aqueles
que, devido a isso, concluem que proteção não tem
valor, estão confundindo freqüência com importância.
Proteção tem muito valor para aqueles
que dão valor a própria vida.
Publicado no jornal Toronto Sun (Canadá). Título
original: Questions which shouldn't be asked.